“A Europa precisa de cenouras”: a crescente divergência na política regional para a transição energética

4 min par ler 25 set 23

Queira consultar o glossário para uma explicação sobre os termos de investimento utilizados ao longo deste artigo.

O que é que funciona melhor: a cenoura ou o pau? Relativamente à transição energética, os decisores políticos em todo o mundo estão a realizar uma experiência em tempo real.

De um lado, temos os EUA que, via a Lei de Redução da Inflação (IRA) de 2022, introduziu um subsídio e um pacote de benefícios fiscais para as energias renováveis, hidrogénio, biocombustíveis, captura de carbono, materiais das baterias, componentes de hardware, veículos elétricos, expansão da rede e minerais essenciais. A cenoura está à vista de todos.

Do outro lado, temos a Europa que tem um longo historial ao nível da definição de ambições líderes à escala mundial, mas está agora a associá-las, de forma desastrada, a impostos sobre os lucros excecionais e à reforma do mercado energético. No âmago da abordagem europeia tem estado sempre um sistema de limites máximos e de trocas de emissões para os poluentes, associado a um preço do carbono que sobe de forma premeditada. Em poucas palavras, o pau.

Tal não visa menosprezar aquilo que a Europa alcançou desde a invasão russa da Ucrânia: 80% das importações de gás por gasoduto oriundas da Rússia foram substituídas no prazo de 8 meses[1], foi superada uma meta regional para cortar o consumo de gás em 15% e foi aumentada a capacidade para níveis recorde tanto da energia eólica como solar. Se incluirmos a energia hidroelétrica, cerca de 40% da eletricidade na Europa é produzida a partir de fontes renováveis[2], um número significativamente maior do que os 22% dos EUA.

Climas de investimento divergentes

Ainda assim, os climas de investimento em cada região, tanto em termos empresariais quanto financeiros, estão a começar a divergir de forma significativa e com resultados visíveis. Vejamos o exemplo da Freyr, uma empresa norueguesa no ramo da tecnologia para baterias. Lançada em 2018, a empresa foi concebida em torno da ideia de que o fabrico de baterias para veículos elétricos (EV) na Noruega iria capitalizar tanto a energia hídrica quanto garantir abastecimento de proximidade à indústria automóvel europeia que se encontra numa fase de transição. 

A construção da primeira fábrica giga da empresa arrancou em Mo-i-Rana, na Noruega, em 2021. Após o anúncio da Lei de Redução da Inflação nos EUA em 2022, a Freyr projetou, selecionou o local e tomou a decisão final de investir numa fábrica giga completamente independente no estado da Georgia nos EUA. Esta fábrica nos EUA está agora num processo expedito, com a empresa a fazer notar que 2,5 mil milhões de USD dos 8 mil milhões de USD de valor atual líquido têm origem diretamente nos subsídios da IRA. Relativamente à fábrica na Noruega, a empresa refere “a construção da Giga Artic continua a avançar a um ritmo regular em conformidade com as despesas de investimento previamente autorizadas e aguardando por uma resposta da IRA norueguesa.”

Já a Linde, uma das maiores empresas de gases industriais no mundo, tem em carteira um investimento de 50 mil milhões de USD associado aos planos de descarbonização do seu cliente, mas a empresa apressa-se a salientar que a maior parte deste montante (30 mil milhões de USD) está relacionado com projetos nos EUA. A Linde dedica-se à produção de hidrogénio, pelo que se existirem subsídios para utilizar energias renováveis para produzir hidrogénio verde, captar CO2 na produção do hidrogénio azul e converter hidrogénio em combustíveis alternativos, como é o caso nos EUA, não é difícil de perceber o desenvolvimento desta assimetria regional. A importância que a Linde dá ao tamanho da dimensão da oportunidade nos EUA também é notável para uma empresa que saiu da bolsa alemã em março e agora negoceia exclusivamente na Bolsa de Valores de Nova Iorque.

O que reserva o futuro?

Pensando em termos mais gerais, no que toca à nova capacidade de energias renováveis, as previsões da indústria traçam um cenário positivo nos três principais centros de atividade (EUA, Europa e China) nos próximos anos. Contudo, uma análise mais aprofundada permite-nos vislumbrar algumas dinâmicas interessantes.

Uma série de dados que gostamos de acompanhar diz respeito à evolução ao longo do tempo das expectativas para os níveis de atividade. Tal permite-nos monitorizar as licenças para projetos, as cadeias de abastecimento, a inflação dos custos e o apetite do risco empresarial efetivo por comparação com o que em teoria devia ocorrer de acordo com os modelos de previsões.

Curiosamente, durante o último ano, as previsões da Bloomberg New Energy Finance para 2024 relativamente às instalações eólicas onshore, no conjunto, na Alemanha, França, Espanha e Reino Unido foram revistas em baixa quase 10%. As mesmas previsões para a atividade nos EUA sofreram uma interessante revisão em alta na ordem de 30%, ao passo que as previsões também foram revistas em alta na China, ainda que de forma mais modesta.

Variação na atividade de instalação eólica onshore prevista para 2024, ao longo do último ano

Fonte: Bloomberg New Energy Finance, agosto de 2023.

Como é que as empresas no terreno veem o problema? O CEO do grupo Vestas, um dos maiores fabricantes de turbinas eólicas do mundo, referiu a estrutura do mercado e o processo de licenciamento como obstáculos a novas instalações. Um recente relatório federal alemão[1] concorda, concluindo que apenas metade da área terrestre necessária para cumprir as metas de energias renováveis da Alemanha até 2030 foi, até ao momento, destinada a projetos futuros. No estado mais moroso, Hesse, o tempo médio para aprovação de documentação para novos projetos de renováveis são uns inacreditáveis 27 meses.

Outros exemplos concretos são as experiências distintas da Ørsted na energia eólica offshore nos EUA e no Reino Unido. Em março, a empresa alertou que a Hornsea 3 no Reino Unido, que deverá ser o maior parque eólico do mundo quando entrar em funcionamento em 2027, precisaria de ter as condições revistas ou um melhor apoio governamental para compensar a inflação da cadeia de abastecimento que se verificou nos últimos anos. Em Nova Jérsia, noutro projeto da Ørsted, está em curso um debate semelhante, mais especificamente, se a empresa deve manter alguns dos benefícios fiscais federais concedidos ao abrigo da IRA ou fazê-los repercutir nos consumidores de eletricidade. Recentemente, a situação nos EUA evoluiu a favor da Ørsted, enquanto o debate no Reino Unido continua aceso.

Para as mais de 200 empresas que acompanhamos em todo o mundo, que consideramos que são prestadores relevantes de soluções climáticas, calculamos um rácio price-to-earnings mediano para 2024 de 21x para as empresas dos EUA e 17x para as empresas europeias. É certo que isto é um prémio menor do que aquele observado para os mercados acionistas regionais mais vastos (o Stoxx 600 negociava com um forward earnings de 13x à data deste artigo, ao passo que o S&P 500 negociava com 20,6x), mas devemos ter presente que as empresas de tecnologia limpa em teoria também deverão estar expostas aos mesmos vetores de crescimento estrutural, fazendo com que um desconto regional se justifique menos. O mercado como um todo parece sentir-se mais cómodo em pagar para o crescimento das empresas dos EUA por comparação com as europeias. Talvez não seja de admirar que o desempenho das ações do segmento das tecnologias limpas nos EUA tenha sido melhor nos últimos anos.

A Europa conseguirá encurtar distâncias?

É possível que a Europa consiga restabelecer o equilíbrio através do Regulamento Indústria de Impacto Zero, que está atualmente a ser negociado. A proposta é abrangente, pretende simplificar os regulamentos, expandir o fabrico de tecnologias de impacto zero e aumentar a competitividade e resiliência da indústria associada ao impacto zero.

Tratam-se de objetivos louváveis, mas a resposta inicial da indústria tem sido tépida no que concerne o âmbito e as ambições deste regulamento. A avaliar pelo sucesso dos EUA, o ritmo, a simplicidade e a proteção de muitos dos créditos fiscais a 10 anos são essenciais para criar um ambiente de investimento atrativo.

Contudo, a conclusão essencial é que, seja na forma de um processo de licenciamento drasticamente simplificado, seja em subsídios mais substantivos ou, porventura, numa combinação destas duas abordagens, a Europa precisa de cenouras.

Cotações e preços a 13/07/2023.

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As opiniões expressas neste documento não devem ser consideradas como sendo uma recomendação, conselho ou previsão. Saiba que a M&G Investments não pode dar-lhe aconselhamento financeiro. Caso tenha qualquer dúvida sobre a adequação do seu investimento, deverá falar com o seu consultor financeiro.

Por M&G Investments

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