Baterias de veículos elétricos - controvérsias e soluções

7 min par ler 24 mai 23

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De acordo com a AIE, o transporte rodoviário é responsável por 16% das emissões mundiais pelo que a adoção generalizada de veículos elétricos (EV) será essencial nos esforços globais para alcançar a neutralidade carbónica. Ainda assim, apesar das credenciais de sustentabilidade dos EV, subsistem muitas controvérsias ambientais e sociais em torno da produção destes veículos. Em seguida, passamos em revista as principais controvérsias na cadeia de valor das baterias de EV e as potenciais soluções.

A anatomia de uma bateria de EV

A maioria dos EV são alimentados a baterias de iões de lítio (Li-ion) – o mesmo tipo de bateria usada nos computadores portáteis e smartphones. O desempenho das baterias, incluindo a densidade energética (autonomia do veículo) e a segurança (inflamabilidade), é determinado pela composição química, com todas as combinações químicas a apresentarem diferentes características de desempenho. Por exemplo, as baterias de lítio, níquel, manganês e óxido de cobalto (NMC) possuem uma elevada densidade energética devido ao teor de cobalto do cátodo, o que contribui para uma maior autonomia. 

As baterias dos EV funcionam mediante a circulação de eletrões, criando uma diferença de potencial entre dois elétrodos – um negativo (o “ânodo”) e outro positivo (o “cátodo”). Estes estão submergidos num líquido condutor designado eletrólito. Quando a bateria está a alimentar o veículo, os eletrões viajam do ânodo para o cátodo, enquanto que durante o carregamento da bateria viajam no sentido inverso. 

Normalmente, os ânodos são feitos de grafite, ao passo que o eletrólito é um sal de lítio sob a forma de um líquido ou gel. O cátodo é composto de lítio e combinações de óxido metálico de cobalto, níquel, manganês, ferro e alumínio e a sua composição determina, em grande medida, o desempenho da bateria.

Problemas éticos na cadeia de abastecimento

O cobalto dá aos veículos a autonomia e a durabilidade que os consumidores precisam. As baterias dos EV são os principais vetores da procura de cobalto, consumindo 34% da capacidade global em 2021 (de acordo com o The Cobalt Institute). Com o crescimento dos EV, a Comissão Europeia e a Global Battery Alliance preveem que a procura de cobalto quadruplique até 2030. 

A obtenção de cobalto está intrinsecamente relacionada com controvérsias éticas associadas ao trabalho infantil e à escravatura, que é, sem dúvida alguma, a questão mais proeminente no panorama das baterias dos EV. A República Democrática do Congo produz mais de 70% do cobalto a nível mundial, com 15-30% de capacidade de produção mineira imputável à extração artesanal e de pequena escala (ASM). Tal faz da produção de cobalto a partir da ASM o segundo maior setor de extração de cobalto no mundo logo a seguir à produção a partir de LSM (extração industrial de larga escala) na RDC. A ASM tem sido associada ao trabalho infantil e à escravatura, sendo que a UNICEF calcula que mais de 40.000 crianças trabalhem atualmente em minas artesanais e de pequena escala. 

Com a adoção generalizada dos EV, o cobalto extraído de minas artesanais é misturado na cadeia de valor da produção de EV. É impossível determinar a quantidade de produção de baterias de EV que está associada à ASM, mas podemos afirmar que é uma importante controvérsia ética que persiste. 

De onde vem o cobalto

Fonte: United States Geological Survey e análise de Bernstein, 2022.

Danos ambientais decorrentes das atividades mineiras

Paralelamente às controvérsias sociais, há questões ambientais associadas à extração de minerais importantes, como o lítio e o níquel. De acordo com a McKinsey & Co, a crescente adoção de veículos elétricos deverá resultar num aumento da produção de lítio na ordem de cerca de 20% ao ano durante esta década e, em 2030, os EV deverão representar 95% da procura mundial de lítio.

O lítio é extraído a partir de depósitos de rocha dura ou de salmoura. A extração de rocha dura produz 15 toneladas de emissões de CO2 por tonelada de lítio e deixa marcas na paisagem. Também tem sido associada à contaminação de águas na Tasmânia, um importante centro mineiro na Austrália. 

A extração de salmoura gera 5 toneladas de emissões de CO2 por tonelada de lítio. Trata-se de um processo que consome bastante água – a água do mar e outras águas superficiais são misturadas com água doce e ficam a repousar em reservatórios até 18 meses, deixando para trás os minerais à medida que a água se evapora. A prática tem sido associada a escassez de água no Chile, onde a disponibilidade de água caiu para 10-37% ao longo dos últimos 30 anos e as previsões indicam que a situação deverá agravar-se. 

As reservas de lítio estão concentradas na América Latina e na Austrália

Fonte: United States Geological Survey, MineSpans, 2022.

O níquel é um elemento essencial usado na solução química para as baterias de iões de lítio níquel, manganês e cobalto (NMC) e níquel, cobalto e alumínio (NCA), que contêm 33% e 80% de níquel, respetivamente. Considerando todos os metais, a mineração do níquel é a atividade extrativa que produz mais emissões – em média, 10 toneladas de CO2 por tonelada de metal. A prática também tem sido associada a um aumento da desflorestação e da contaminação de rios e lagos na Indonésia, o país que possui as maiores reservas de níquel do mundo.

Preocupações de segurança

Da mesma forma que as baterias dos smartphones podem ficar quentes durante o carregamento, as baterias dos EV são, por natureza, suscetíveis ao sobreaquecimento. Obviamente que isso coloca sérios riscos para a saúde ou até mesmo para a vida do utilizador final em caso de incêndio das baterias.

Tal conduziu a diversos casos célebres de recolha de produtos. Por exemplo, a General Motors recolheu 73.000 unidades do modelo Chevrolet Bolt na sequência de, pelos menos, 13 casos de incêndio devido a “raros defeitos de fabrico”. A Hyundai também recolheu 74.000 unidades do seu modelo Kona EV após 16 se terem incendiado. Em ambos os casos, as baterias tinham sido produzidas pela LG Energy Solutions (LGES).

No entanto, importa ter presente que as recolhas são insignificantes em comparação com os milhões de unidades vendidas pela LGES todos os anos. Além disso, as recolhas por motivos de segurança não são assim tão raras e já aconteciam mesmo com os veículos a combustão interna. A título de exemplo, em 2022, a Volkswagen e a Audi recolheram mais de 225.000 veículos devido a preocupações de segurança sobre sistemas de monitorização da pressão dos pneus defeituosos.

Quais são as potenciais soluções?

A indústria de produção de baterias para EV ainda está a dar os primeiros passos e encontra-se em constante evolução. Embora não haja uma opção universal, há várias soluções potenciais para cada uma destas controvérsias. Em seguida, exploramos algumas dessas soluções mais ao pormenor.

Reciclagem

A reciclagem de baterias desempenhará um papel fundamental na melhoria do impacto ético e ambiental da cadeia de abastecimento de baterias para EV. Prevê-se que em 2030 se irá assistir à entrada de baterias recicladas na cadeia de abastecimento, uma vez que as baterias fabricadas entre 2017-2022 chegam ao fim do seu ciclo de vida de 10 anos.

É difícil avançar com um número no que toca às percentagens recicladas previstas porque cada região tem as suas próprias metas e regulamentos. Hoje em dia, na UE, o material reciclado das baterias é apenas 12% para o alumínio, 22% para o cobalto, 8% para o manganês e 16% para o níquel. Contudo, estes números deverão aumentar à luz dos novos regulamentos da UE (ver mais informações abaixo). Um estudo da Goldman Sachs calcula que mais de 50% do lítio e níquel no mercado de EV europeu terá origem em baterias recicladas em 2040. 

Vale a pena referir que as taxas de reciclagem também dependerão da composição química da bateria já que algumas são mais fáceis de reciclar do que outras. Além disso, muitas baterias foram concebidas sem ter em conta a necessidade de reciclagem e poderá ser difícil extrair as matérias-primas. A inexistência de regulamentos em matéria de reciclagem antes de 2020 fez com que os fabricantes não tivessem incentivos para produzir baterias facilmente recicláveis. 

O panorama regulamentar

A evolução no quadro regulamentar será essencial para superar os problemas sociais e ambientais. A UE propôs um conjunto de regulamentos para incentivar uma maior reciclagem e transparência ambiental que prevê quotas para o teor mínimo de materiais reciclados das novas baterias, pelo menos, 12% de cobalto, 85% de chumbo, 4% de lítio e 4% de níquel têm de ser reciclados.

O regulamento prevê ainda novas metas para a recuperação de baterias usadas. Relativamente aos resíduos de baterias portáteis, as metas são 45% até 2023, 63% até 2027 e 73% até 2030, ao passo que para as baterias de “meios de transporte ligeiros” as metas são 51% até 2028 e 61% até 2031. De igual modo, os fabricantes de EV têm de declarar a sua pegada de carbono e cumprir os limiares máximos da pegada de carbono ao longo do ciclo de vida.

Nos EUA, a legislação Inflation Reduction Act no valor de quase 400 mil milhões de USD oferece aos fabricantes de EV benefícios fiscais se, pelo menos, 50% dos componentes forem fabricados ou montados nos Estados Unidos ou se, pelo menos, 40% dos materiais minerais das baterias forem extraídos, transformados ou reciclados nos EUA ou em países com os quais os EUA têm um acordo de comércio livre. Tal deverá promover uma melhor cadeia de abastecimento a nível interno para as baterias dos EV, com maior capacidade para compreender e acompanhar a origem das matérias-primas e reduzir a dependência de países com problemas de direitos humanos. 

Outras tecnologias para as baterias

Têm vindo a surgir químicas alternativas para as baterias, que, em certa medida, contornam os problemas acima referidos. Importa referir que ainda não há uma alternativa às baterias de iões de lítio com a mesma densidade energética, que possa ser lançada a uma escala comercial. A densidade energética determina a autonomia do EV. Para que as baterias alternativas assumam posições dominantes no mercado mundial terão de superar este desafio crucial. Contudo, algumas das candidatas mais promissoras são:

Lítio-fosfato de ferro (LFP)

As baterias de LFP estão a tornar-se populares nos EV de fabricantes europeus. Não contêm cobalto; ao invés, utilizam ferro e fosfato que são materiais mais baratos e abundantes. As baterias têm menor densidade energética, mas uma melhor segurança térmica do que as baterias de iões de lítio. Hoje em dia, a Tesla já usa baterias LFP nos seus Modelo 3 e Modelo Y, que têm menores requisitos de autonomia.

Ião de sódio (SIB)

Esta tecnologia ainda está numa fase incipiente e não é comercializada. Utiliza alumínio e sódio, que é mais de 1000 vezes abundantes do que o lítio. Contudo, as baterias SIB têm menos densidade energética/autonomia do que as baterias de iões de lítio e são mais pesadas, pelo que são menos adequadas devido ao seu tamanho considerável. 

Estado sólido

Em poucas palavras, as baterias de estado sólido utilizam um eletrólito sólido ao contrário do líquido ou gel polímero usado nas atuais baterias de iões de lítio. Este eletrólito sólido pode assumir a forma de cerâmica, vidro, sulfitos ou polímeros sólidos. Estas baterias contêm cobalto, mas em quantidades muito menores do que as baterias de iões de lítio, ao mesmo tempo que apresentam uma boa densidade energética e um menor risco de incêndio. Muitos fabricantes, incluindo a Toyota, a Samsung e a LGES, pretendem comercializar as baterias de estado sólido nos próximos anos. 

Em conclusão

Sem dúvida que os EV contribuirão para a descarbonização da economia mundial e a sua adoção generalizada desempenhará um papel essencial nos esforços para alcançar a neutralidade carbónica. Contudo, à medida que a indústria continua a evoluir, subsistem importantes questões em matéria social e ambiental que devem ser endereçadas. 

Ao decidir como investir, há que ter em mente que o valor e o rendimento dos ativos de um fundo aumentam e diminuem, o que fará com que o valor do investimento desça e suba, pelo que o investidor poderá receber menos do que inicialmente investiu. 

As opiniões expressas neste documento não devem ser consideradas como sendo uma recomendação, conselho ou previsão. Saiba que a M&G Investments não pode dar-lhe aconselhamento financeiro. Caso tenha qualquer dúvida sobre a adequação do seu investimento, deverá falar com o seu consultor financeiro.

Por M&G Investments

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