Natureza e biodiversidade: A importância de sistemas alimentares sustentáveis

6 min par ler 17 mai 24

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A biodiversidade é essencial para a sobrevivência continuada da vida neste planeta. Precisamos de ecossistemas saudáveis que nos proporcionem ar, alimentos, água e mais. A nossa série de perspetivas sobre a natureza e a biodiversidade abrange uma gama de tópicos de importância fulcral para a resolução da crise da natureza e da biodiversidade, destacando ao mesmo tempo as oportunidades que existem para investidores darem contributos positivos. Na primeira parte, Nishita Karad foca-se na importância de um sistema alimentar sustentável.

Um sistema alimentar sustentável – e as razões da sua importância

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), um sistema alimentar sustentável é um “sistema alimentar que proporciona segurança alimentar e nutrição para todos, sem comprometer as bases económicas, sociais e ambientais criadoras da segurança alimentar e nutrição para as gerações futuras1".

Isto significa que, para que um sistema alimentar seja sustentável, deverá ser: rentável em todas as suas fases (sustentabilidade económica); proporcionar benefícios de base alargada à sociedade (sustentabilidade social) e ter um impacto positivo ou neutro no ambiente (sustentabilidade ambiental).

Perante a forte interligação entre o sistema alimentar – a forma como os alimentos são produzidos, aprovisionados, distribuídos e consumidos – e o desenvolvimento humano e a natureza, um sistema alimentar sustentável é crucial para a concretização dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS). Além disso, a disponibilização de alimentos para uma população global estimada entre 9 e 10 biliões de habitantes em 2050, reduzindo ao mesmo tempo as emissões líquidas a zero para cumprimento das metas do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, exigirá sistemas alimentares que sejam sustentáveis, inclusivos, saudáveis e eficientes.

“Dar resposta a um aumento da procura sem aumentar a utilização de terrenos e água, e reduzir ao mesmo tempo as emissões, vai exigir avanços na forma como os alimentos são produzidos.”

O sistema alimentar atual não é sustentável

O sistema alimentar atual é problemático, quer para as pessoas, quer para o planeta, com cerca de $10 triliões de valor desperdiçado através de custos escondidos para a saúde e o ambiente (ou seja, 10% do PIB global)2.

É responsável por 21-37% das emissões globais de GEE, com o setor da pecuária por si só a representar quase metade dessas emissões3, de acordo com estimativas do PIAC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas). Se nada mudar, prevê-se que a percentagem aumente para 50% de todas as emissões de GEE até 20504 . Além disso, a agricultura também representa cerca de 70% da utilização de água doce à escala global e ocupa cerca de 40% do território global, impulsionando ao mesmo tempo mais de 90% da desflorestação tropical5.

O sistema alimentar também cria impactos negativos para as pessoas. Em 2022, mais de 1 mil milhões de pessoas foram categorizadas como sendo obesas e quase 2 mil milhões como tendo excesso de peso devido a consumo excessivo, contribuindo para um aumento rápido dos problemas de saúde associados6. Ao mesmo tempo, cerca de 700 milhões de pessoas enfrentam a fome7. As operações de pecuária industrial que criam números elevados de animais em espaços confinados podem gerar vírus letais e disseminar “superbactérias” resistentes a antibióticos, ao mesmo tempo que os regimes alimentares não salutares representam atualmente um maior risco de morbilidade e mortalidade do que o sexo desprotegido, o consumo de álcool, drogas e tabaco no seu conjunto8.

Três temas para os investidores para ajudar a superar o desafio

Redução das perdas e desperdício alimentar

Calcula-se que as perdas e desperdício alimentar gerem 8-10% das emissões globais de GEE9 . Globalmente, estima-se em 30% a percentagem de alimentos perdidos ou desperdiçados em média, com uma perda de 14% dos alimentos entre a colheita e o retalho, e cerca de 17% desperdiçados no retalho e ao nível do consumo10 . O gráfico em baixo destaca a média geral de desperdício alimentar gerado por pessoa em diferentes regiões, apesar de notoriamente não haver dados suficientes relativamente às categorias de serviços de restauração e retalho em países de rendimentos médios, e em todas as categorias no que respeita a países de baixos rendimentos.

 

Há soluções potenciais para o desafio em várias áreas:

  • Gestão de resíduos: Soluções que oferecem recolha e tratamento inovadores do desperdício em toda a cadeia alimentar. Em particular, soluções voltadas para os consumidores e destinadas a reduzir os padrões de consumo supérfluo podem reduzir significativamente o desperdício alimentar, especialmente nas economias desenvolvidas.
  • Do desperdício à energia: Os desenvolvimentos tecnológicos que permitem a transformação de resíduos alimentares em energia representam uma solução promissora de redução do impacto dos resíduos alimentares.
  • Melhor armazenamento e refrigeração: Soluções que oferecem melhores oportunidades de armazenamento e refrigeração de alimentos, especialmente à luz de condições climáticas em mudança.
  • Produção circular e melhor conceção dos produtos: Oportunidades que permitam a transição da produção linear para a produção circular, assim como a conceção de produtos que permitam uma reciclagem mais simples e um maior prazo de validade podem ajudar a reduzir o desperdício desde o início da cadeia de valor.

No âmbito das estratégias de impacto de capitais públicos da M&G, uma empresa investida que oferece soluções nesta área é a Darling Ingredients, que é especializada na recolha e reciclagem de resíduos alimentares. A empresa recolhe uma variedade de produtos derivados animais, resíduos de padarias comerciais e óleos de cozinhar usados. São refinados e reciclados antes de serem utilizados numa gama alargada de ingredientes e produtos, como rações para animais, fertilizantes orgânicos, colagénio, gasóleo renovável e biogás para produção de energia limpa.

Fonte:  Sustainability | Darling Ingredients

Melhores práticas de produção de alimentos

Dar resposta a um aumento da procura sem aumentar a utilização de terrenos e água, e reduzir ao mesmo tempo as emissões, vai exigir avanços na forma como os alimentos são produzidos.

Registámos várias áreas com potencial para melhorar a eficiência da produção de alimentos:

  • Utilização eficiente de fertilizantes e pesticidas: Apesar de a sobreutilização generalizada de fertilizantes e pesticidas ter impactos ambientais negativos importantes (incluindo perda de biodiversidade, degradação e acidificação dos solos), será impossível dar resposta à procura crescente sem utilizar os mesmos. Soluções como pulverização de precisão, substitutos orgânicos para os fertilizantes, assim como práticas e tecnologias de mitigação dos fertilizantes podem ajudar a superar este problema.
  • Agrotecnologia: A tecnologia destinada a otimizar a agricultura, reduzindo ao mesmo tempo a utilização de água, fertilizantes e pesticidas, pode ajudar na concretização de eficiências no processo de produção alimentar. As soluções podem incluir software que analisa dados meteorológicos e do solo, empresas que criam ferramentas de precisão destinadas à plantação, e empresas que fabricam equipamento de colheita para mitigar o risco de colheitas pobres.
  • Ferramentas inovadoras de gestão dos solos: Técnicas inovadoras podem ajudar a recuperar a perda de biodiversidade e de carbono nos solos. A degradação dos solos pode ser, talvez surpreendentemente, um dos impactos negativos menos reconhecidos da produção intensiva de alimentos, devido aos seus efeitos de repercussão sobre o rendimento das colheitas, aumento da desertificação e aumento da probabilidade de inundações. Isto constitui mais uma prova da interligação dos quatro reinos da Natureza (conforme definidos pelo Grupo de Trabalho para a Divulgação de Informações Financeiras sobre a Natureza – TNFD).
  • Adaptação às alterações climáticas e à escassez de água: As soluções que ajudem os produtores de alimentos a gerir questões relacionadas com o clima, como qualidade da água e escassez de recursos hídricos, serão importantes na transição para um sistema alimentar sustentável.

Uma empresa de estratégia de impacto de capitais públicos investida pela M&G, a Tomra, está a criar resultados positivos nesta área. A empresa utiliza a sua tecnologia de rastreio ótico para criar soluções de ordenamento e graduação de alimentos. Os seus separadores automáticos de alimentos podem detetar rápida e eficazmente artigos indesejados nas linhas de processamento de alimentos, analisando características como cor, forma, tamanho, estrutura e até características biológicas. Isto ajuda a reduzir o desperdício alimentar, a aumentar as colheitas e, finalmente, a melhorar a eficiência.

Fonte:  Sorting machines and post-harvest solutions for food

Uma viragem para alimentos à base de plantas

A investigação mostra que a carne e os laticínios representam cerca de 60% das emissões agrícolas, apesar de fornecerem apenas 18% das calorias e 37% das proteínas globalmente. O sistema alimentar pode, assim, tornar-se mais sustentável através da redução do consumo de proteína animal e de uma mudança para mais alimentos à base de plantas.

Para acelerar a mudança para proteína de origem vegetal, registaram-se várias inovações na tecnologia alimentar nos últimos anos. A procura por essas tecnologias aumentou em anos recentes, impulsionada pela crescente sensibilização dos consumidores para os impactos da proteína animal na saúde, bem-estar e ambiente, bem como pela resposta positiva do mercado às ofertas à base de proteínas alternativas, e deve continuar a aumentar nos próximos anos.

Há várias tecnologias com proteínas alternativas disponíveis atualmente no mercado:

  • Proteína avançada à base de plantas: : Proteínas alternativas são recuperadas a partir de fontes vegetais e otimizadas em termos de sabor, textura e nutrição, utilizando quer novas fontes vegetais (como feijão-mungo, tremoço e algas), quer novos métodos de processamento (como tecnologia de célula de cisalhamento).
  • Fermentação: A criação de proteínas específicas (como caseína e whey) através de um processo de levedação em que organismos de levedura são programados para produzir proteínas.
  • Cultura de células: Criação de células de carne (músculo e gordura) num meio de cultura rico em nutrientes, para criar peças inteiras de tecido.

No âmbito das estratégias de impacto de capitais públicos da M&G, estamos ativamente à procura de empresas com impacto nesta área que está em fase relativamente incipiente. Fazemos uma análise rigorosa das empresas passíveis de potencial investimento. Temos de concretizar impactos positivos materiais, mensuráveis e intencionais, demonstrando ao mesmo tempo que são empresas de qualidade com potencial para atrair um crescimento financeiro apelativo a longo prazo. Temos ainda de identificar eventuais candidatos que cumpram os nossos rigorosos critérios em termos de impacto e investimento, mas continuamos a trabalhar nesta área. Notamos que também há algumas empresas inovadoras promissoras nos mercados privados, com quem os nossos colegas de ativos privados estão a trabalhar e cujos progressos seguimos de perto.

A necessidade de um sistema alimentar eficiente e sustentável tem importância crítica, não apenas para conseguir uma alimentação saudável para uma população crescente, mas também para o clima, a proteção da natureza e para a obtenção de resultados justos para os milhões de agricultores do mundo. O desafio torna-se maior a cada dia, ampliado quer pelo crescimento da população, quer pelos efeitos das alterações climáticas. O papel das soluções inovadoras no apoio à mudança para um sistema sustentável não pode ser subestimado e constitui uma oportunidade muito interessante para os investidores.

1 Food and Agriculture Organisation, ‘Sustainable Food Systems - Concept and Framework’, (fao.org), 2018.
2 Food and Agriculture Organisation, ‘The State of Food and Agriculture’, (unep.org), 2023.
3 IPCC, ‘Climate Change and Land: An IPCC Special Report on Climate Change, Desertification, Land Degradation, Sustainable Land Management, Food Security, and Greenhouse Gas Fluxes in Terrestrial Ecosystems', (ipcc.ch), 2019.
4 IMF, ‘Why sustainable food systems are needed in a post-COVID world’, (imf.org), 2020.
5 Food and Agriculture Organisation, ‘Water for Sustainable Food and Agriculture’, 2017, ‘Land use in agriculture by the numbers’, 2020, ‘COP26: Agricultural expansion drives almost 90 percent of global deforestation’, 2020.
6 World Health Organisation, ‘World Obesity Day 2022 – Accelerating action to stop obesity’, (who.int), 2022.
7 Food and Agriculture Organisation, ‘Hunger and food insecurity’, (fao.org), 2023.
8 EAT-Lancet Commission, ‘Healthy Diets from Sustainable Food Systems. Food, Planet, Health.’, (eatforum.org), 2020.
9 United Nations Environment Programme, ‘Food Waste Index Report’, (unep.org), 2021.
10 United Nations Environment Programme, ‘Driving finance for Sustainable Food Systems’, (unep.org), 2023.
Por Nishita Karad

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As opiniões expressas neste documento não devem ser consideradas como sendo uma recomendação, conselho ou previsão. Não nos é possível dar conselhos financeiros. Caso tenha qualquer dúvida sobre a adequação do seu investimento, deverá falar com o seu consultor financeiro.

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