Perspetivas sobre natureza e biodiversidade: Água e saneamento

5 min par ler 21 mai 24

Queira consultar o glossário para uma explicação sobre os termos de investimento utilizados ao longo deste artigo.

A nossa série de perspetivas sobre natureza e biodiversidade abrange uma gama de tópicos de importância fulcral para a resolução da crise da natureza e da biodiversidade, destacando ao mesmo tempo as oportunidades que existem para investidores darem contributos positivos. Neste artigo, Adam Pinfold, Michael Rae e Ben Constable-Maxwell consideram os riscos da atual utilização não sustentável que fazemos da água, juntamente com algumas das potenciais soluções.

Uma procura asfixiante

Ao longo dos últimos séculos, o crescimento exponencial da população fez aumentar a procura de recursos essenciais como alimentos, energia e infraestruturas. A sustentação da nossa população e dos padrões de consumo está, contudo, sujeita à disponibilidade e à qualidade da água. A água doce, elemento fundamental do desenvolvimento económico, alimenta indústrias como a mineração, a energia, a agricultura, a indústria e a tecnologia, ao mesmo tempo que mais de um terço da produção alimentar mundial depende de rios, através da função que estes desempenham no apoio à pesca, às terras de regadio e à agricultura de recessão das cheias1

A composição da procura de água também está a mudar radicalmente. As cadeias de fornecimento da indústria representam atualmente cerca de dois terços do consumo global de água, com setores como o da alimentação, energia, indústria, produtos farmacêuticos, mineração, produtos químicos e têxteis responsáveis por 70% da utilização e poluição de água doce2. Produtos como os semicondutores são essenciais para a transição para uma energia limpa, mas o fabrico de semicondutores exige quantidades substanciais de água ultrapura para impedir a contaminação dos dispositivos eletrónicos. Uma instalação moderna de fabrico de semicondutores consome tipicamente 2 – 4 milhões de galões de água por dia3, ou aproximadamente a mesma quantidade que uma cidade de 50 mil habitantes.

Esta mudança na procura é preocupante. Por definição, o volume de água acessível no nosso planeta é fixo, mas a proporção de água doce e utilizável para consumo ou processos industriais tem vindo a diminuir devido a uma má gestão e à poluição. Felizmente, a sensibilização do público relativamente a este desafio está a aumentar. Alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS) visam solucionar diretamente os desafios relacionados com a água. São eles o ODS 6: Água potável e saneamento, e o ODS 14: Proteger a vida marinha*. Estes objetivos definem metas ambiciosas para garantir um futuro sustentável através da transformação da forma como gerimos os recursos hídricos e disponibilizamos serviços de água e saneamento a todas as pessoas. Agora, mais do que nunca, o ónus está nas empresas que têm de proporcionar soluções para resolver a questão.

* Embora apoiemos os ODS da ONU, não estamos associados à ONU e os nossos fundos não são endossados pela ONU.

O equilíbrio delicado das águas subterrâneas

As águas subterrâneas são o aspeto em que os desafios são mais claros. As águas subterrâneas têm uma enorme multiplicidade de benefícios sociais e económicos, e desempenham um papel crucial de “almofada” em caso de volatilidade nos níveis de precipitação. 

As águas subterrâneas são frequentemente extraídas de aquíferos – corpos subterrâneos de rocha e/ou sedimento. Os aquíferos têm uma enorme capacidade de armazenamento e estão geralmente mais protegidos da contaminação do que as águas de superfície. Apesar de as circunstâncias divergirem de um aquífero para outro, os aquíferos podem ser uma fonte de água eficaz em termos de custos e, por vezes, serem de acesso direto, com a possibilidade de serem abertos furos próximo dos locais onde a água é necessária.

“À escala global, há 2,5 mil milhões de pessoas que dependem exclusivamente de águas subterrâneas para as suas necessidades diárias de água, enquanto até 50% da população dependem de águas subterrâneas para terem água potável”
 

Essas vantagens levaram muitas civilizações urbanas a depender fortemente das águas subterrâneas como sua principal fonte de água. À escala global, há 2,5 mil milhões de pessoas que dependem exclusivamente de águas subterrâneas para as suas necessidades diárias de água, enquanto até 50% da população dependem de águas subterrâneas para terem água potável4. No entanto, o crescimento da população, o aumento da riqueza e uma regulamentação inadequada levaram a níveis insustentavelmente elevados de captação de águas subterrâneas. Este facto está a provocar um esgotamento dos recursos, e potencialmente a fazer perigar a segurança alimentar, o abastecimento básico de água, a resiliência climática, assim como a integridade ambiental de terras húmidas e cursos de água que dependem de águas subterrâneas.

Cabe notar que os aquíferos sofrem naturalmente flutuações do nível da água, provocadas por secas prolongadas ou por uma pluviosidade elevada. Em períodos de seca, os rios e as terras húmidas recebem tipicamente influxos de água provenientes do armazenamento em aquíferos, o que leva os níveis de água nos aquíferos a diminuírem. Em contrapartida, os episódios de precipitação permitem aos aquíferos “recarregarem”. No entanto, os problemas surgem quando introduzimos a variável da extração da água pelo ser humano, o que perturba este equilíbrio frágil das flutuações naturais, provocando descidas dos níveis da água nos aquíferos. Se esta situação não for acompanhada, o resultado poderá ser uma desidratação do aquífero – reduzindo a capacidade de fornecimento dos furos e aumentando os custos de bombagem, obrigando assim ao abandono do aquífero.

Interconectividade da água, natureza e clima

Estes desafios vão muito além da água propriamente dita. A interconectividade entre água, natureza e alterações climáticas está a tornar-se cada vez mais óbvia. O Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (PIAC) já chamou a atenção para os impactos alargados das alterações climáticas no ciclo hidrológico, conduzindo a mudanças nos padrões de precipitação e exacerbando os problemas de escassez de água em regiões que já estão a enfrentar dificuldades. 

Os efeitos das alterações climáticas também se alastram à vida marinha. Em 2021, calcula-se que terão morrido mais de mil milhões de animais marinhos ao longo da costa do Pacífico do Canadá devido à subida das temperaturas5. Este tipo de ocorrências sublinha a necessidade de resolver os impactos das alterações climáticas nos sistemas hídricos. As nossas águas doces albergam uma diversidade incrível de 140.000 espécies especializadas de água doce, mas um terço destas espécies de água doce está agora em risco de extinção como resultado direto da nossa má gestão da água e da poluição6.

Pensar na poluição

O reverso da moeda é a necessidade crescente de gestão das águas residuais. Atualmente, 48% das águas residuais são lançadas no ambiente sem qualquer tratamento7, mas a urbanização e o desenvolvimento económico vão certamente aumentar essa atividade. A libertação de águas não tratadas ocorre geralmente de forma mais acentuada em países de baixos rendimentos, mas a poluição das águas não se limita a essas regiões. Tanto os países ricos como os pobres debatem-se com níveis elevados de poluição da água e, em vez de diminuir com o aumento da prosperidade económica, o leque de poluentes na realidade tende a aumentar.

“Tanto os países ricos como os pobres debatem-se com níveis elevados de poluição da água e, em vez de diminuir com o aumento da prosperidade económica, o leque de poluentes na realidade tende a aumentar” 
 

Uma fonte importante de poluição das águas é a agricultura, que liberta produtos químicos agrícolas, matéria orgânica, resíduos de medicamentos, sedimentos, e drenagem salina para as massas de água. As culturas e o gado, especialmente com os aumentos nos pesticidas e fertilizantes, contribuem significativamente para a poluição da água. O estrume animal, rico em patogéneos, amoníaco e fosfatos, tem uma procura elevada de oxigénio biológico. À medida que o nosso efetivo de gado aumenta para satisfazer as exigências da nossa população crescente, também aumenta a produção do estrume associado, bem como as vacinas, antibióticos e hormonas.

Estes poluentes agrícolas chegam às nossas massas de água através da filtração (a água atravessando superfícies porosas), escoamento de superfície e erosão do solo. O escoamento dos fertilizantes químicos contendo nitrato e fósforo é uma das principais causas antropogénicas da poluição das águas, pois resulta em eutrofização. Este processo provoca uma proliferação das algas, podendo em última instância reduzir a qualidade da água, esgotar os níveis de oxigénio e prejudicar a vida endémica.

Outra fonte de poluição da água são as substâncias per- e polifluoroalquilo (SPFA) um grupo de químicos sintéticos com impactos prejudiciais no ambiente e na nossa saúde. Esses químicos estão por toda a parte – são utilizados em roupas repelentes da água, utensílios de cozinha com revestimento antiaderente e embalagens de alimentos impermeáveis a gorduras, para referir apenas alguns. Os SPFA têm um tempo de vida que pode chegar a vários milhares de anos, o que lhes granjeou a alcunha de “poluentes eternos”, e já foram associados a problemas de saúde como cancro e danos ao aparelho reprodutivo. A maioria dos escândalos sanitários envolvendo SPFA nos EUA e na Europa esteve relacionada com a contaminação do abastecimento de água potável. Há, contudo, empresas que estão a envidar esforços para resolver esses problemas.

Empresa exemplo: American Waterworks

No âmbito das estratégias de impacto de capitais públicos da M&G, uma empresa investida que oferece soluções na área dos SPFA é a American Waterworks, uma empresa regulamentada, de grande dimensão, de serviços de fornecimento de água e tratamento de águas residuais nos EUA. A American Waterworks é especializada em assegurar uma elevada qualidade da água e na investigação de contaminantes emergentes, incluindo SPFA. As soluções da empresa incluem a instalação rápida e fiável de sistemas de Carbono Ativado Granulado (CAG), que ajudam a filtrar os SPFA da água. O conhecimento sobre este espaço está em fase de crescimento, mas a empresa tem uma equipa multidisciplinar focada no quadro científico e regulamentar relativo à deteção de SPFA, juntamente com tecnologias emergentes de remoção.

Fonte: https://www.amwater.com/resources/pdf/american-water-PFAS.pdf

O plástico e os oceanos

Conforme já foi bem documentado, a mera escala de utilização global de plástico suscita o desafio enorme da criação de práticas de eliminação responsáveis. Cerca de 8 a 10 milhões de toneladas métricas de plástico são anualmente escoadas até ao oceano8, resultando no emaranhamento, asfixia, ingestão de fragmentos de plástico, assim como exposição a químicos associados ao plástico para a nossa fauna aquática. 

Animais como as tartarugas ou as focas podem ficar enredadas em macroplásticos, como anéis de embalagens de 6 latas de bebida, reduzindo a mobilidade ou conduzindo ao estrangulamento. Para as tartarugas marinhas, macroplásticos flutuantes como os sacos de plástico são particularmente danosos, pois a estratégia de alimentação das tartarugas depende da seleção de estruturas semelhantes a alforrecas. 

Os microplásticos representam um nível de perigo semelhante, pois podem ser ingeridos por uma grande variedade de vida marinha, e são transferidos através de níveis tróficos de organismos mais pequenos para organismos maiores. A exposição a microplásticos também faz aumentar a probabilidade de doenças nos corais e, através de interações com recifes de carbonato e produtores primários, os microplásticos dificultam a capacidade de sequestro de carbono dos ecossistemas marinhos, comprometendo alguns dos nossos sumidouros de carbono naturais.

Empresa exemplo: Tetra Tech

A Tetra Tech, uma empresa que acompanhamos no âmbito das estratégias de impacto de capitais públicos da M&G, oferece uma série de soluções de gestão de água, com o objetivo de concretizar um "futuro resiliente para a água". A Tetra Tech está neste momento a levar a cabo uma avaliação plurianual dos riscos dos microplásticos numa região específica dos EUA. Como parte dos esforços para compreender os ‘vazadouros’ de microplásticos (acumulações de resíduos de plástico deteriorado), a empresa está a estudar o papel dos leitos de vegetação aquática submersa na captura de microplásticos nos rios Anacostia e Potomac perto de Washington DC, e a forma como estes habitats podem ser uma fonte de entrada dos microplásticos na cadeia alimentar da comunidade aquática costeira. Os resultados dos estudos iniciais foram apresentados a sociedades científicas, para oferecer um melhor entendimento sobre as implicações ecológicas dos microplásticos e para desenvolver políticas de redução da poluição pelo plástico.

Fonte: https://www.tetratech.com/projects/evaluating-the-risk-of-microplastics-in-coastal-waters

O valor dos investimentos irá flutuar, o que fará com que os preços diminuam e aumentem. Poderá não recuperar o montante inicialmente investido. O desempenho no passado não é indicativo do desempenho no futuro.

As opiniões expressas neste documento não devem ser consideradas como sendo uma recomendação, conselho ou previsão. Não nos é possível dar conselhos financeiros. Caso tenha qualquer dúvida sobre a adequação do seu investimento, deverá falar com o seu consultor financeiro.

1 WWF, ‘High cost of cheap water’, (panda.org), 2023.
2 UN Water, ‘The United Nations World Water Development Report 2021: Valuing Water’, (unwater.org), 2021.
3 Sustainalytics, ‘Waste Not, Want Not – Water Use in the Semiconductor Industry’, (sustainablytics.com), 2017.
4 The Groundwater Project, ‘The importance of groundwater’ (A importância das águas subterrâneas), (gw-project.org), 2024.
5 Scientific American, ‘Pacific Northwest Heat Wave Killed More Than One Billion Sea Creatures’ (Onda de Calor no Noroeste do Pacífico Mata Mais de Um Bilião de Seres Marinhos), (scientificamerican.com), 2021.
6 WWF, ‘Freshwater biodiversity’ (Diversidade na água doce), (panda.org), 2024.
7 United Nations University Institute for Water, Environment and Health, ‘Half of global wastewater treated, rates in developing countries still lagging’ (Metade das águas residuais mundiais são tratadas, as percentagens nos países em desenvolvimento continuam a registar valores inferiores), (inweh.unu.edu), 2024.
8 Unesco Ocean Literacy Portal, ‘Ocean plastic pollution an overview: data and statistics’ (Panorâmica geral sobre a poluição dos oceanos pelo plástico: dados e estatísticas, (unesco.org), 2022.
Por Adam Pinfold, Michael Rae e Ben Constable-Maxwell

Perspectivas