Dificuldades em Ibéria: por que motivo a resiliência das infraestruturas nunca foi tão importante

5 min par ler 5 jun 25

Queira consultar o glossário para uma explicação sobre os termos de investimento utilizados ao longo deste artigo.

Um impressionante apagão em Portugal e Espanha, em abril de 2025, pôs a nu de forma brutal a nossa dependência da infraestrutura elétrica. Alex Araujo e Michael Rae abordam a resiliência das redes energéticas e de que forma a mudança para a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis pode criar oportunidades de investimento para empresas do setor das infraestruturas.

Foram poucos os acontecimentos na história moderna que colocaram a nu de forma tão brutal a nossa dependência da infraestrutura elétrica quanto o apagão registado na Península Ibérica a 28 de abril. No espaço de apenas cinco segundos, o país perdeu entre 15 a 25 GW de carga elétrica, o equivalente a 60-100% das necessidades nacionais.

Surgiram rapidamente vídeos e relatos de pessoas que foram dos mais inquietantes aos mais bizarros. Obviamente que os semáforos e os comboios elétricos deixaram de funcionar, mas quem é que se lembraria dos sensores dos dispensadores de água e sabonete nas casas de banho, o “olho mágico” das portas automáticas ou, porventura e mais importante ainda, a crescente lista de comandos banais que dependem de um router Wi-Fi?

“Parece provável que este acontecimento reacenda o debate sobre os níveis de tolerância para as renováveis na matriz energética.”

Ainda não há uma explicação cabal para o que correu mal, mas parece provável que este acontecimento reacenda o debate sobre os níveis de tolerância para as renováveis na matriz energética e sobre se o investimento na rede tem acompanhado os desenvolvimentos.

Não será de mais repetir que, na ótica da capacidade instalada, a Ibéria é uma história de sucesso no domínio das renováveis. Espanha encontra-se no quinto lugar a nível mundial em termos de número total de instalações tanto eólicas como solares para serviços públicos, com base nos dados no final de 2023.

Ao longo dos últimos cinco anos, em conjunto, Espanha e Portugal registaram o maior aumento no consumo de energias renováveis na Europa, cerca de 25% mais do que a Alemanha (com base nos dados de 2023)1.

Resiliência da rede

Tal aumento levanta a questão sobre a capacidade da rede elétrica se adaptar a novas fontes de produção, expressa de uma forma através do conceito de “inércia”.

A inércia é uma característica das redes elétricas que lhes permite suportar alterações, quer do lado da procura, quer do lado da oferta. Como estamos habituados a que a eletricidade seja produzida por máquinas rotativas (gás, carvão, nuclear e hidroelétrica todas utilizam turbinas), a corrente resultante assume a forma de uma onda sinusoidal. Por exemplo, no Reino Unido e na Europa, a frequência de 50 hertz (Hz) é equivalente a uma turbina a rodar 3000 vezes por minuto.

As flutuações da procura, sendo o exemplo mais conhecido o momento em que as pessoas ligam as chaleiras durante os anúncios publicitários na televisão, podem ser absorvidas mediante pequenos desvios nesta frequência porque existe um ativo físico que não para de andar à roda.

As fontes de produção que produzem corrente direta, como a eólica e a solar, apenas podem reproduzir a onda sinusoidal através de eletrónica de potência; elas próprias não podem criar inércia. Tal diminuiu a resiliência da rede a alterações súbitas na oferta ou procura e, ainda que, aparentemente, tal facto não tenha provocado o problema na Península Ibérica a 28 de abril, poderá explicar porque motivo o restabelecimento do fornecimento de eletricidade demorou tanto tempo.

Estão em curso experiências para testar o fornecimento de inércia sintética a partir de baterias, por exemplo, na Hornsdale Power Reserve na Austrália, mas podemos afirmar com segurança que ainda estamos bastante longe de uma aplicação em larga escala e no futuro próximo dependeremos de um sistema híbrido em evolução.

Isto não constitui apenas um desafio na Europa. Os EUA encontram-se num importante ponto de inflexão no que toca a procura de eletricidade. Após quase 20 anos durante os quais a procura cresceu apenas 0,4% ao ano, a Energy Information Administration dos EUA prevê um crescimento anual de 2,8% ao longo dos próximos cinco anos2.

Já para não falar que se trata de um sistema de rede que tem 40 a 50 anos e está a rebentar pelas costuras. Aliás, os apagões não relacionados com fenómenos meteorológicos têm vindo a registar uma subida acentuada nos EUA.

 

O que é que isto pode significar para as infraestruturas e o ritmo da transição energética?

A generalizada e drástica falha da rede elétrica em Espanha e Portugal comprova a suma importância dos ativos de infraestruturas físicas. Mostra também o quanto as nossas atividades quotidianas e a economia em geral dependem da infraestrutura energética.

A mudança geracional no modo como produzimos eletricidade – através de renováveis – implica um investimento significativo e a reconfiguração das redes energéticas. Na nossa opinião, são necessários mais investimentos, ao mesmo tempo que os decisores políticos e os operadores do setor energético trabalham para garantir a resiliência e a segurança energética nas redes energéticas.

Instalações de armazenamento de energia de grande escala, novas ligações, redes de transmissão e distribuição mais resilientes, produção de energia de reserva e em horas de pico e ligações internacionais de alta tensão são apenas alguns exemplos das potenciais oportunidades de investimento para as empresas de infraestruturas presentes neste setor tão importante.

Super ciclo de investimentos no setor energético

De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), o investimento em infraestruturas das redes elétricas a nível mundial deverá crescer mais de 50% entre 2023 e 2030, ascendendo a cerca de 600 mil milhões de USD3. A transição energética é indiscutivelmente a maior empreitada de sempre e está a revelar-se deveras complexa. À medida que o mundo avança rumo à descarbonização, desglobalização e digitalização, pensamos que a natureza crítica das infraestruturas e a dependência de ativos físicos só poderá aumentar.

 

A estratégia do infraestruturas do M&G possui um sólido registo de investimento em empresas que apresentam soluções para estes desafios fundamentais. Consideramos que a natureza defensiva das empresas com fluxos de caixa e dividendos compostos, suportadas por contratos de longo prazo associados a ativos críticos, é apelativa na atual conjuntura macroeconómica volátil.

A estratégia oferece aos investidores diversificação, proteção contra a inflação decorrente da crescente geração de rendimentos e crescimento resultante do subinvestimento crónico que tem afetado a maior parte das redes de infraestruturas a nível mundial.

O filósofo britânico Bertrand Russell uma vez observou: “Em todas as matérias, é salutar questionar de vez em quando as coisas que há muito damos como garantidas”. Talvez tenha chegado finalmente a hora da modesta rede elétrica.

 

1Statistical Review of World Energy, Energy Institute, 2024
2Fonte: BofA Global Research, US Energy Information Administration, junho de 2024.
3Fonte: AIE, citada no The Economist, janeiro de 2025.
Por Alex Araujo

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